Faroeste Caboclo
Faroeste Caboclo
(I)Não tinha medo o tal João de Santo CristoEra o que todos diziam quando ele se perdeuDeixou pra trás todo o marasmo da fazendaSó pra sentir no seu sangue o ódio que Jesus lhe deu
(II)Quando criança só pensava em ser bandidoAinda mais quando com um tiro de soldado o pai morreuEra o terror da sertania onde moravaE na escola até o professor com ele aprendeu
(III)Ia pra igreja só pra roubar o dinheiroQue as velhinhas colocavam na caixinha do altarSentia mesmo que era mesmo diferenteSentia que aquilo ali não era o seu lugar
(IV)Ele queria sair para ver o marE as coisas que ele via na televisãoJuntou dinheiro para poder viajarDe escolha própria, escolheu a solidão
(V)Comia todas as menininhas da cidadeDe tanto brincar de médico,Aos doze era professor.Aos quinze, foi mandado pro o reformatórioOnde aumentou seu ódio diante de tanto terror.
(VI)Não entendia como a vida funcionavaDiscriminação por causa da sua classe e sua corFicou cansado de tentar achar respostaE comprou uma passagem, foi direto a Salvador.
(VII)E lá chegando foi tomar um cafezinhoE encontrou um boiadeiro com quem foi falarE o boiadeiro tinha uma passagem e ia perder a viagemMas João foi lhe salvar
(VIII)Dizia ele: "Estou indo pra BrasíliaNeste país lugar melhor não háTô precisando visitar a minha filhaEu fico aqui e você vai no meu lugar"
(IX)E João aceitou sua propostaE num ônibus entrou no Planalto CentralEle ficou bestificado com a cidadeSaindo da rodoviária, viu as luzes de Natal
(X)"Meu Deus, mas que cidade linda,No Ano-Novo eu começo a trabalhar"Cortar madeira, aprendiz de carpinteiroGanhava cem mil por mês em Taguatinga
(XI)Na sexta-feira ia pra zona da cidadeGastar todo o seu dinheiro de rapaz trabalhadorE conhecia muita gente interessanteAté um neto bastardo do seu bisavô
(XII)Um peruano que vivia na BolíviaE muitas coisas trazia de láSeu nome era Pablo e ele diziaQue um negócio ele ia começar
(XIII)E o Santo Cristo até a morte trabalhavaMas o dinheiro não dava pra ele se alimentarE ouvia às sete horas o noticiárioQue sempre dizia que o seu ministro ia ajudar
(XIV)Mas ele não queria mais conversaE decidiu que, como Pablo, ele ia se virarElaborou mais uma vez seu plano santoE sem ser crucificado, a plantação foi começar.
(XV)Logo logo os maluco da cidade souberam da novidade:"Tem bagulho bom ai!"E João de Santo Cristo ficou ricoE acabou com todos os traficantes dali.
(XVI)Fez amigos, frequentava a Asa NorteE ia pra festa de rock, pra se libertarMas de repenteSob uma má influência dos boyzinho da cidadeComeçou a roubar.
(XVII)Já no primeiro roubo ele dançouE pro inferno ele foi pela primeira vezViolência e estupro do seu corpo"Vocês vão ver, eu vou pegar vocês"
(XVIII)Agora o Santo Cristo era bandidoDestemido e temido no Distrito FederalNão tinha nenhum medo de políciaCapitão ou traficante, playboy ou general
(XIX)Foi quando conheceu uma meninaE de todos os seus pecados ele se arrependeuMaria Lúcia era uma menina lindaE o coração dele pra ela o Santo Cristo prometeu
(XX)Ele dizia que queria se casarE carpinteiro ele voltou a ser"Maria Lúcia pra sempre vou te amarE um filho com você eu quero ter"
(XXI)O tempo passa e um dia vem na portaUm senhor de alta classe com dinheiro na mãoE ele faz uma proposta indecorosaE diz que espera uma resposta, uma resposta do João
(XXII)"Não boto bomba em banca de jornalNem em colégio de criança isso eu não faço nãoE não protejo general de dez estrelasQue fica atrás da mesa com o cu na mão
(XXIII)E é melhor senhor sair da minha casaNunca brinque com um Peixes de ascendente Escorpião"Mas antes de sair, com ódio no olhar, o velho disse:
(XXIV)"Você perdeu sua vida, meu irmão""Você perdeu a sua vida meu irmãoVocê perdeu a sua vida meu irmãoEssas palavras vão entrar no coraçãoEu vou sofrer as consequências como um cão"
(XXV)Não é que o Santo Cristo estava certoSeu futuro era incerto e ele não foi trabalharSe embebedou e no meio da bebedeiraDescobriu que tinha outro trabalhando em seu lugar
(XXVI)Falou com Pablo que queria um parceiroE também tinha dinheiro e queria se armarPablo trazia o contrabando da BolíviaE Santo Cristo revendia em Planaltina
(XXVII)Mas acontece que um tal de Jeremias,Traficante de renome, apareceu por láFicou sabendo dos planos de Santo CristoE decidiu que, com João ele ia acabar
(XXVIII)Mas Pablo trouxe uma Winchester-22E Santo Cristo já sabia atirarE decidiu usar a arma só depoisQue Jeremias começasse a brigar
(XXIX)Jeremias, maconheiro sem-vergonhaOrganizou a Rockonha e fez todo mundo dançarDesvirginava mocinhas inocentesSe dizia que era crente mas não sabia rezar
(XXX)E Santo Cristo há muito não ia pra casaE a saudade começou a apertar"Eu vou me embora, eu vou ver Maria LúciaJá tá em tempo de a gente se casar"
(XXXI)Chegando em casa então ele chorouE pro inferno ele foi pela segunda vezCom Maria Lúcia Jeremias se casouE um filho nela ele fez
(XXXII)Santo Cristo era só ódio por dentroE então o Jeremias pra um duelo ele chamouAmanhã às duas horas na CeilândiaEm frente ao lote 14, é pra lá que eu vou
(XXXIII)E você pode escolher as suas armasQue eu acabo mesmo com você, seu porco traidorE mato também Maria LúciaAquela menina falsa pra quem jurei o meu amor
(XXXIV)E o Santo Cristo não sabia o que fazerQuando viu o repórter da televisãoQue deu notícia do duelo na TVDizendo a hora e o local e a razão
(XXXV)No sábado então, às duas horas,Todo o povo sem demora foi lá só para assistirUm homem que atirava pelas costasE acertou o Santo Cristo, começou a sorrir
(XXXVI)Sentindo o sangue na garganta,João olhou pras bandeirinhas e pro povo a aplaudirE olhou pro sorveteiro e pras câmeras eA gente da TV que filmava tudo ali
(XXXVII)E se lembrou de quando era uma criançaE de tudo o que vivera até aliE decidiu entrar de vez naquela dança"Se a via-crucis virou circo, estou aqui"
(XXXVIII)E nisso o sol cegou seus olhosE então Maria Lúcia ele reconheceuEla trazia a Winchester-22A arma que seu primo Pablo lhe deu
(XXXIX)"Jeremias, eu sou homem. coisa que você não éE não atiro pelas costas nãoOlha pra cá filha-da-puta, sem-vergonhaDá uma olhada no meu sangue e vem sentir o teu perdão"
(XL)E Santo Cristo com a Winchester-22Deu cinco tiros no bandido traidorMaria Lúcia se arrependeu depoisE morreu junto com João, seu protetor
(XLI)E o povo declarava que João de Santo CristoEra santo porque sabia morrerE a alta burguesia da cidadeNão acreditou na história que eles viram na TV
(XLII)E João não conseguiu o que queriaQuando veio pra Brasília, com o diabo terEle queria era falar pro presidentePra ajudar toda essa gente que só faz...Sofrer...