Tô Ouvindo Alguém Me Chamar
("Aí mano, o Guina mandou isso aqui pra você")
Tô ouvindo alguém gritar meu nomeParece um mano meu, é voz de homem.Eu não consigo ver quem me chamaÉ tipo a voz do GuinaNão, não, não, o Guina tá em cana.Será? Ouvi dizer que morreusei lá!
Última vez que eu o vi,eu lembro até que eu não quis ir, ele foiParceria forte aqui era nós doisLouco, louco, louco e como eraCheirava pra caralho, (vixe) sem miséria
Todo ponta firme, foi professor no crimeTambém mó sangue frio, não dava boi pra ninguém
Puta aquele mano era foda!só moto nervosasó mina da horasó roupa da modaDeu uma pá de blusa pra mimnaquela fita na butique do ItaimMas sem essa de sermão, mano, eu também quero ser assimvida de ladrão não é tão ruim!
Penseientreino outro assalto eu colei e prontoaí o Guina deu mó ponto:
- Aí é um assalto, todo mundo pro chão, pro chão...!- Aí filho-da-puta, aqui ninguém tá de brincadeira não!- Mais eu ofereço o cofre mano, o cofre, o cofre.....- Vamo lá que o bicho vai pegar!
Pela primeira vez vi o sistema aos meu pésApavorei, desempenho nota dezDinheiro na mão, o cofre já tava abertoO segurança tentou ser mais espertoFoi defender o patrimônio do playboy (tiros)Não vai dar mais pra ser super-herói!
Se o seguro vai cobrir (Ha! Ha!),foda-se, e daí ?
O Guina não tinha dó:se reagir, Bum!, vira pó
Sinto a garganta ressecadae a minha vida escorrer pela escadaMas se eu sair daqui eu vou mudar
Eu to ouvindo alguém me chamarEu to ouvindo alguém me chamar
Tinha um maluco lá na rua de trásque tava com moral até demaisLadrão, e dos bonsespecialista em invadir mansãoComprava brinquedo a reviriachamava a molecada e distribuíaSempre que eu via ele tava sóO cara é gente fina mas eu sou melhorEu aqui na pior, ele tem o que eu quero:jóia escondida e uma 380No desbaratino ele até se cresciase pan, ignorava até que eu existia
Tem um brilho na janela, é entãoA bola da veztá vendo televisão
(Psiu....Vamo, vai, entrando)Guina no portão, eu e mais um mano"- Como é que é neguinho?"Se dirigia a mim, e ria, ria, como se eu não fosse nadaRia, como fosse ter viradaEstava em jogo, meu nome e atitude. (tiros)Era uma vez Robin Hood.Fulano sangue-ruim, caiu de olho abertoTipo me olhando, eh, me jurandoEu tava bem de perto e acertei uns seiso Guina foi e deu mais três.
Lembro que um dia o Guina me falouque não sabia bem o que era amorFalava quando era criançauma mistura de ódio, frustração e dorDe como era humilhante ir pra escolausando a roupa dada de esmolaDe ter um pai inútil, digno de dómais um bêbado, filho da puta e só.Sempre a mesma merda, todo dia igualsem feliz aniversário, Páscoa ou NatalLonge dos cadernos, bem depoisa primeira mulher e o 22Prestou vestibular no assalto do busãonuma agência bancária se formou ladrãoNão, não se sente mais inferiorAí neguinho, agora eu tenho o meu valor
Guina, eu tinha mó admiração, óConsiderava mais do que meu próprio irmão, óEle tinha um certo dom pra comandarTipo, linha de frente em qualquer lugarTipo, condição de ocupar um cargo bom e taltalvez em uma multinacional.É foda...Pensando bem que desperdícioAqui na área acontece muito dissoInteligência e personalidademofando atrás da porra de uma grade
Eu só queria ter moral e mais nadaMostrar pro meu irmãopros cara da quebrada.Uma caranga e uma mina de esquemaAlgum dinheiro resolvia o meu problemaO que eu tô fazendo aqui?Meu tênis sujo de sangue, aquele cara no chãouma criança chorando e eu com um revolver na mãoAquele é o quadro do terror, e eu que fui ao autor
Agora é tarde, eu já não podia maisparar com tudo, nem tentar voltar atrásMas no fundo, mano, eu sabiaQue essa porra ia zoar a minha vida um diaMe olhei no espelho e não reconheciEstava enlouquecendo, não podia mais dormirPreciso ir até o fimSerá que Deus ainda olha pra mim?Eu sonho toda madrugadacom criança chorando e alguém dando risadaNão confiava nem na minha própria sombramas segurava a minha onda
Sonhei que uma mulher me falou, eu não sei o lugarque um conhecido meu (quem?) ia me matar
Precisava acalmar a adrenalinaPrecisava parar com a cocaína
Não to sentindo meu braçonem me mexer da cintura pra baixoNinguém na multidão vem me ajudar?Que sede da porra, eu preciso respirar!
Cadê meu irmão?
Eu to ouvindo alguém me chamarEu to ouvindo alguém me chamar
Nunca mais vi meu irmãoDiz que ele pergunta de mim, não sei nãoA gente nunca teve muito a veroutra idéia, outro rolêOs malucos lá do bairroJá falava de revolver, droga, carroPela janela da classe eu olhava lá foraa rua me atraia mais do que a escolaFiz 17, tinha que sobreviverAgora eu era um homem, tinha que correrNo mundão você vale o que temeu não podia contar com ninguémCuzão,fica você com seu sonho de doutor!Quando acordar cê me avisa, morô?Eu e meu irmão era como óleo e águaquando eu sai de casa trouxe muita mágoaIsso há mais ou menos seis anos atrásPorra, mó saudade do meu pai!
Me chamaram para roubar um postoEu tava duro, era mês de agostoMais ou menos três e meia, luz do diaTudo fácil demais, só tinha um vigiaNão sei, não deu tempo, eu não vi, ninguém viuatiraram na gente, um moleque caiuPrometi pra mim mesmo, era a última vez...Porra, ele só tinha 16!
Não, não, não, tô afim de pararmudar de vida, ir pra outro lugarUm emprego decente, sei látalvez eu volte a estudarDormir a noite era difícil pra mimmedo, pensamento ruimAinda ouço gargalhadas, choro, vozesa noite era longamó neurose
Tem uns malucos atrás de mimQual que é?Eu nem sei.Diz que o Guina tá em cana e eu que cagüeteiPô, logo quem, logo eu, olha só, ó!Que sempre segurei os B.O.!Não, eu não sou bobo, eu sei qual é que é!mas eu não to com esse dinheiro que os cara querMaior que o medo, o que eu tinha era decepçãoA trairagema pilantragema traiçãoMeus aliado, meus mano, meus parceiroquerendo me matar por dinheiroVivi sete anos em vãotudo que eu acreditava não tem mais razão, não...
Meu sobrinho nasceudiz que o rosto dele é parecido com o meuEh, diz... um pivete eu sempre quismeu irmão merece ser felizDeve estar a essa alturabem perto de fazer a formaturaAcho que é direito, advocaciaacho que era isso que ele queriaSinceramente eu me sinto felizgraças a Deus, não fez o que eu fizMinha finada mãe, proteja o seu meninoo diabo agora guia o meu destino
Se o júri for generoso comigo:Quinze anos para cada latrocínio...Sem dinheiro pra me defenderHomem morto, cagueta, sem serQue se foda, deixa acontecernão há mais nada a fazer.
Essa noite eu resolvi sairtava calor demais, não dava pra dormirIa levar meu canhão,sei lá, decidi que nãoÉ rapidinho, não tem precisãoMuita criança, pouco carro, vou tomar um arAcabou meu cigarro, vou até o bar
( E aí, como é que é, e aquela lá ó?)To devagar, to devagar.
Tem uns baratos que não dá pra perceberque tem mó valor e você não vêuma pá de árvore na praçaas criança na ruao vento fresco na caraas estrelaa lua
Dez minutos atrás, foi como uma premoniçãoDois moleques caminhando em minha direçãoNão vou correr, eu sei do que se tratase é isso que eles querementão vem, me mata!Disse algum barato pra mim que eu não escuteiEu conhecia aquela arma, é do Guina, eu sei!Uma 380 prateada, que eu mesmo deiUm moleque novato com a cara assustada("Aí mano, o Guina mandou isso aqui pra você")mas depois do quarto tiro eu não vi mais nada
Sinto a roupa grudada no corpoEu quero vivernão posso estar morto!
Mas se eu sair daqui eu vou mudarEu tô ouvindo alguém me chamar