Zé Ramalho "Filhos do Câncer" testo

Filhos do Câncer

Hoje quero sentir-me, quando deitar-me nas pedrasComo um lagarto que dorme, na incoerência das erasSentar-me-ei entre feras e sentirei no seu hálitoA solução das esperas e um sofrimento esquálidoAdormecendo as uvas, reconstruindo em favasAconteceram as chuvas, redespertaram em lavasCompareceram em chamas, estrangularam as falasCarbonizaram miúdos, perpetuaram-se em galas

Filhos de Freud, filhos de MarxFilhos de Brecht, filhos de BachFilhos do câncer, filhos de GetúlioFilhos do carbono, filhos de Lampião

Se fosse fácil todo mundo eraSe fosse muito todo mundo tinhaSe fosse raso ninguém se afogavaSe fosse perto todo mundo vinhaSe fosse graça todo mundo riaSe fosse frio ninguém se queimavaSe fosse claro todo mundo viaSe fosse limpo ninguém se sujavaSe fosse farto todos satisfeitosSe fosse largo tudo acomodavaSe fosse hoje todo mundo ontemSe fosse tudo nada aqui restavaSe fosse homem junto com mulherSe cada bicho fosse como vouSe fosse tudo claro pensamentoNesse momento nada se criou

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